Criação do Fundo Lava Jato: O que é e por que é tão polêmico?

Pensado desde setembro de 2018, o fundo tem despertado polêmicas recentemente, com debates entre os que o enxergam como ilegal e os que o vêem como uma oportunidade social
17 de março de 2019, às 12:30 | Danniel Figueiredo

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Você sabe o que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a maior petrolífera brasileira e o Ministério Público Federal têm em comum? Todos estão envolvidos no projeto do Fundo Lava Jato. Pensado desde setembro de 2018, o fundo tem despertado polêmicas recentemente, com debates entre os que o enxergam como ilegal e os que o vêem como uma oportunidade social.

Mas você sabe o que é, de onde surgiu e quais os principais argumentos favoráveis e contrários em torno do Fundo Lava Jato? Nesse texto, o Politize! esclarece o tema para você!

AFINAL, O QUE É O FUNDO LAVA JATO?

Você deve ter notado que o nome “Lava Jato” tem ganhando popularidade no Brasil. Recentemente, por exemplo, nós trouxemos para você a proposta da Lava Jato da Educação, para combater a corrupção no setor educacional brasileiro.

A popularidade do termo  vem da Operação Lava Jato, a maior operação anticorrupção da história brasileira, que completa 5 anos de duração em 2019. Alguns dos principais dados sobre ela podem ser observados no infográfico abaixo, apresentado em reportagem do Estado de SP, com dados do Ministério Público Federal.

Apesar de sofrer críticas devido a seus critérios de prisão preventiva, “vazamentos seletivos”, e ao modelo de delação premiada, a operação possui forte apoio popular. Em pesquisa realizada no início de 2018, pelo Instituto Datafolha, com 4194 pessoas, em 227 municípios, 84% dos entrevistados apoiavam sua continuidade.

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É em um contexto assim que o Ministério Público apresentou o nome Fundo Lava Jato. Envolvendo diretamente a Petrobras, empresa investigada pela Operação, a ideia do fundo é uma iniciativa de integrantes do Ministério Público Federal atuantes no Paraná, estado no qual se iniciou e tem sido coordenada a força-tarefa da Operação Lava Jato.

Na prática, o Fundo Lava Jato consistiria no valor aproximado de R$ 1,3 bilhão, correspondente a 50% dos R$ 2,6 bilhões (US$ 682,560 milhões) pagos pela Petrobrás ao Brasil. Seu projeto surgiu pela primeira vez por intermédio de um acordo  da petrolífera com o Departamento de Justiça e a Comissão de Títulos e Câmbio (SEC) dos Estados Unidos e o Ministério Público Federal brasileiro.

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E é justamente o  Ministério Público Federal brasileiro que ficou responsável pela criação do Fundo Lava Jato, por meio de outro acordo  feito com a Petrobras, assinado no último dia 23 de janeiro. O objetivo seria destinar os recursos recebidos da Petrobras para o combate à corrupção e apoio a projetos sociais.

Mas por que a Petrobras está desembolsando esse valor bilionário? E qual a relação dos Estados Unidos com isso?

DE ONDE SURGIU O FUNDO LAVA JATO?

Desde 2014, com o início da Lava Jato, além de internamente, as empresas brasileiras passaram a ser investigadas internacionalmente. A empreiteira Odebrecht, por exemplo, teve esquemas de corrupção  percebidos em boa parte da América Latina e alguns países da África.

No caso da Petrobras, não foi diferente. A empresa apresentava funcionários ligados ao esquema de propinas apontado pela Operação Lava Jato, e acabou passando uma imagem internacional de envolvimento com corrupção.

É aí que entram os Estados Unidos na questão. Como possui ações na Bolsa de Nova York, a Petrobras tem uma ligação com o país norte-americano e se submete à sua legislação.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos e o SEC (Comissão de Títulos e Câmbio) iniciaram, então, uma investigação para saber se a Petrobras havia desrespeitado as regras financeiras estadunidenses. Mais especificamente, investigavam possíveis violações de regras de controles internos, registros contábeis e demonstrações financeiras realizadas pela Petrobrás entre 2003 e 2012.

Assim, havia a possibilidade de um julgamento da Petrobras na justiça dos Estados Unidos, que poderia ser ainda mais danoso para a imagem da empresa. Para evitá-lo e encerrar as investigações, a Petrobras realizou o acordo com os órgãos dos Estados Unidos, apresentado em 27 de setembro de 2018, no qual pagaria U$ 853 milhões em penalidades.

Desse valor, 20% (U$ 170.740 milhões) seriam divididos entre o Departamento de Justiça e o SEC e 80% (U$ 682.560 milhões) deveriam ser pagos ao Brasil, entendido como o maior prejudicado pelo esquema de corrupção. O acordo prevê que caso a Petrobrás não pagasse ao Brasil nos prazos acordados com as autoridades brasileiras, o valor seria cobrado pelo Tesouro estadunidense.

Quatro meses depois, em 23 de janeiro de 2019 o Ministério Público Federal assinou o seu acordo com a Petrobras. No acordo, o MPF direciona o valor e lança as bases a um Fundo Lava Jato.

O QUE DIZ O ACORDO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO?

Além do reconhecimento de responsabilidade por parte da Petrobras pelos acontecimentos, e um resumo do caso e dos valores acordados com os Estados Unidos, o principal destaque do acordo do dia 23 é o direcionamento dos fundos pagos ao Brasil.

Para onde iriam os fundos?

Dos R$ 2.651 bilhões (conforme convertidos para reais, nos câmbio estipulado no acordo):

Outros pontos importantes

Além da divisão em si, alguns pontos importantes que ficam previstos no documento são:

Apesar do grande destaque recebido pela proposta do Fundo Lava Jato, essa não é a primeira vez que membros da Operação Lava Jato tentam uma ideia nessa linha.

Tentativas semelhantes de usar recursos recuperados

Confira dois momentos em que tentativas semelhantes aconteceram:

  1. Caso Paulo Roberto Costa (2016): A Procuradoria Geral da República tinha a intenção de destinar ao Executivo 20% do valor de R$ 79 milhões devolvido pelo ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, em acordo de delação premiada. Na ocasião, o pedido foi negado pelo então Ministro do STF Teori Zavaski, que entendeu que os recursos deveriam ser destinados à Petrobras, para restituir prejuízos.
  2. Caso João Santana (2019): A Procuradoria Geral da República tinha o interesse de destinar ao Ministério da Educação os R$ 71,9 milhões recuperados, também em acordo de delação premiada, de João Santana, ex-marqueteiro do Partido dos Trabalhadores (PT). O relator foi o Ministro do STF Edson Fachin, que negou o pedido sob a justificativa de que caberia à União e não ao Poder Judiciário definir como seria utilizado o recurso recuperado.

O assunto voltou a tona quando, no dia 7 de março o acordo entre Petrobrás e MPF foi homologado (aprovado) pela juíza substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba, Gabriela Hard.

QUAIS OS ARGUMENTOS EM TORNO DO FUNDO LAVA JATO?

Com a homologação do acordo, o Fundo Lava Jato tem dividido opiniões entre políticos, juristas e o próprio MPF. Nós trazemos para você alguns dos principais argumentos nesse debate.

Argumentos Favoráveis

Alguns argumentos favoráveis ao Fundo Lava Jato são os apresentados por Deltan Dallagnol, Jurista e Procurador da República desde 2003, e um dos pensadores do fundo, divulgados por meio de um vídeo. Abaixo, trazemos a declaração do procurador.

O Procurador Regional da República, Carlos Fernando dos Santos Lima, em post no Facebook, também defendeu o acordo nos moldes que foi feito.

Os argumentos de ambos são:

A criação do Fundo Lava Jato foi elogiada pelo líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio, que, em declaração, afirmou que:

“A Lava Jato anunciou a criação de um fundo que investirá o dinheiro recuperado da corrupção em projetos de educação, cidadania e transparência. No RJ, por exemplo, os valores recuperados pela operação já bancaram reformas em seis escolas estaduais! Ótimo exemplo”.

Em entrevista à Folha de SP, Bruno Brandão, da Transparência Internacional, também se mostrou favorável, defendendo o Ministério Público ao afirmar que eles “não estão se apropriando dos recursos, mas devolvendo-os a sociedade”.

E em entrevista ao jornal Nexo, Roberto Livianu, promotor de Justiça, doutor em direito pela USP e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção também se demonstrou favorável. Livianu afirmou que “o Ministério Público fez a escolha de um formato adequado para a prestação de contas, transparência a publicidade” e que “o Ministério Público está tomando a iniciativa porque o promotor não tem que ser passivo e inerte, como tem que ser o juiz".

Argumentos Contrários 

Já entre os que são contrários ao Fundo Lava Jato, também existem nomes e pontos importantes:

“Eu sempre sustentei no plenário em relação aos tribunais de justiça que é improprio o fundo. E esse do Ministério Público ainda por cima diz respeito a um dinheiro de uma sociedade de economia mista em que a União é a titular para a constituição de um fundo privado.”

“Como o MPF vai fazer parte de uma organização que tem como função constitucional fiscalizar? É um ‘salto triplo’ que a gente não consegue entender, um acordo tão mal desenhado de acordo com as nossas regras vigentes”.

"Não tem previsão constitucional e legal. Quando o Estado recupera recursos de ações de improbidade ou de desvios, por exemplo, o dinheiro volta para o Estado. Não vai para o Ministério Público, para o Judiciário ou para o Legislativo. No máximo, se poderia dizer, eventualmente, que poderia voltar para a Petrobrás".

O acordo também gerou manifestações de políticos. Roberto Requião, ex-senador pelo MDB fez duras críticas a ele e à própria Lava Jato. Os deputados Carlos Zarattini (PT-SP) e Gleisi Hoffman também se manifestaram contrariamente.

ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS

Em meio a todo debate sobre o fundo, o Supremo Tribunal Federal, no dia 13 de março, iniciou o julgamento que define os rumos da própria Operação Lava Jato. O STF decide se a Justiça Eleitoral teria competência para conduzir investigações da Operação em alguns casos, substituindo a Justiça Federal.

Já em relação ao Fundo Lava Jato, em meio às críticas recebidas, a força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal lançou pedido de suspensão dos procedimentos de sua criação, no dia 12 de março. Como trazido pelo pelo G1, o MPF diz que

“Diante do debate social sobre o destino dos recursos, noticiado pela mídia nacional, a força tarefa ministerial está em diálogo com outros órgãos na busca de soluções ou alternativas que eventualmente se mostrem mais favoráveis para assegurar que os valores sejam usufruídos pela sociedade brasileira”.

No dia 13 de março, o juiz Luiz Antonio Bonat, da 13ª Vara Federal de Curitiba, acatou parcialmente o pedido de suspensão, suspendendo por 90 dias o processo de criação do Fundo Lava Jato. Nesse mesmo dia, a força tarefa da Lava Jato lançou uma nota na qual visa esclarecer sua posição no acordo com a Petrobrás e os Estados Unidos.

Atualmente, o valor do possível fundo está depositado na Caixa Econômica Federal, em conta vinculada à Justiça Federal.

Como podemos ver, o assunto ainda está longe de acabar. O valor permanece no Brasil, mas como será aplicado e se o Fundo Lava Jato será ou não retomado após esses 90 dias ainda são incógnitas. Estar bem informado é a melhor forma possível de poder contribuir ao seu debate.

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