O que existe por trás do desabafo do jornalista William Bonner?

A imprensa tem sido atacada nos últimos anos, principalmente em redes sociais por movimentos ligados à partidos e líderes políticos
16 de janeiro de 2021, às 15:30 | Wesslley Sales

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"Nesse momento, infelizmente, além de dar as notícias, de trazer as informações corretas, nós estamos esgrimindo com loucos, com irresponsáveis, com gente que é capaz de entrar num whatsapp da vida e sair espalhando mentira a bel prazer - mas as mentiras mais absurdas, crendices. Tem gente que faz isso investido de cargo público. Tem gente que faz isso sistematicamente. Mas a gente aqui, nós jornalistas profissionais, nós não vamos desistir, porque esse é o nosso dever profissional. A gente está defendendo aqui a nossa profissão, mas estamos também defendendo a sociedade. A nossa, aqui no Brasil, e cada colega nosso jornalista em cada país desse planeta", William Bonner.

O que há por trás deste desabafo ao vivo do âncora do Jornal Nacional na última quinta-feira (14/01)?

A imprensa tem sido duramente atacada ao longo dos últimos quatro anos, principalmente em redes sociais por movimentos ligados à partidos e líderes políticos de esquerda e de direita. A pandemia é um capítulo a mais nesta tentativa de desacreditar a mídia. Negacionismo, corrupção, disputa pelo poder e a tentativa de manter uma narrativa que provoque a divisão da sociedade instigada por altas autoridades políticas do país. Falar em infectados, mortos e dramas em tempos de COVID-19 é um desafio diário.

Pelo Twitter não faltam críticas, xingamentos e tentativas de intimidação feitas notadamente por "conservadores de direita" ao menor sinal de que a imprensa ou o jornalista publicou algo que julguem necessitar de resposta imediata. Vacina, colapso em Manaus ou qualquer outro tema referente à pandemia se transforma em campo de guerrilha virtual, mesmo quando nada do que foi dito entre em conflito com o que é pregado por seus mitos e caciques. Mas, toda esta agressão à mídia foi potencializada ao longo os últimos quatro anos a partir dos Estados Unidos.

Não tem como dissociar o aumento do ataques ao jornalismo profissional da eleição americana que deu vitória Donald Trump em 2016. Banido do Twitter semana passada, uma das suas principais armas de críticas antes de durante aquela campanha, o Presidente usava frases de efeito como: “São inimigos do povo”; “As pessoas já não acreditam neles”. O objetivo foi criar uma narrativa antimídia e divisão social, fortalecendo ainda a disseminação de fake news. Havia ainda um outro componente, a ideologia política unindo o populismo e conservadores, em especial de extrema direita.

Este laboratório caiu como uma luva nas pretensões de um outro futuro Presidente que, nunca teve grande abertura na imprensa em seus 27 anos como Deputado Federal, a não ser em relação às polêmicas que o envolviam. Jair Bolsonaro afirmou que seria candidato da direita ainda em 2014 e iniciou uma peregrinação quase solitária por todo o país reafirmando que disputaria a eleição. Em 2016 comemorou a vitória de Trump. Neste mesmo período ele se fortalece nas redes sociais com 2.4 milhões de seguidores apenas no Facebook, com 58 grupos e 99 páginas associadas ao seu nome (levantamento do Laboratório de estudos sobre Imagem e Cibercultura-Labic), capilaridade digital importante para sua vitória em 2018. Atualmente o Presidente é seguido por quase 13.820 milhões de internautas no Facebook e 6.6 milhões no Twitter. 

Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos a imprensa passou a ser alvo cada vez mais frequente e raivoso não apenas dos candidatos, mas de seus apoiadores e não parou depois de chegarem à Presidência. De acordo com levantamento da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) mostra que em 2019 a mídia profissional foi alvo de 11 mil ataques por dia por meio de redes sociais. A imprensa também sofreu ataques de perfis de esquerda, 714 mil posts (1.9 mil por dia) ano passado.

O relatório “Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil - 2018”, da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) apontou que casos de agressões aos profissionais cresceram 36% em 2018, em relação ao ano anterior. Foram 135 ocorrências de violência contra 227 jornalistas, incluindo um assassinato. A eleição presidencial potencializou os ataques à mídia. Segundo o documento, eleitores e manifestantes foram responsáveis por 30 casos de violência contra jornalistas, 22% do total, sendo que eleitores de Jair Bolsonaro foram responsáveis por 23 dos episódios.

Mais do que estatísticas, o jornalismo tem enfrentado esta realidade em seu dia a dia. William Bonner ao que parece falou de improviso com um profundo pesar que reflete o sentimento de quem trabalha de forma séria. É preciso lembrar que jornalista não produz dados sobre a COVID-19. Retransmite e ajuda a interpretar estudos de técnicos, médicos e cientistas. Não se inventa números de infectados, mortos ou curados. Tentar desqualificar o trabalho da imprensa é antes de tudo um desserviço. Pior, é contribuir para desinformar o povo brasileiro com objetivo claro de manobra e manutenção de poder.

Não é ser contra ou a favor de governos. Jornalismo se faz com ética e verdade. Seguiremos esgrimindo.

Jornalista William Bonner

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